Novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente destaca que é preciso uma transformação nos setores de eletricidade, transporte, construção, sistema financeiro e alimentar; para manter o aquecimento global em 1,5°C, as emissões devem cair 45%; Brasil reduziu ambição climática em 2020.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, lançou nesta quinta-feira o Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2022. Apesar dos impactos climáticos em todo o mundo, a comunidade internacional ainda está muito longe das metas necessárias para a estabilização do aquecimento global.

O documento lançado anualmente, avalia os esforços dos países em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, comparando o que foi implementado com as medidas necessárias para garantir os compromissos do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.

Promessas precisam ser mais ambiciosas
A cientista e coautora do relatório, Joana Portugal, disse à ONU News, Rio de Janeiro, que apesar dessa lacuna ter tido uma leve diminuição este ano, comparado a 2021, mais uma vez há uma grande discrepância entre o que os países se comprometem e o que seria necessário.

“Nós temos uma redução de emissão de menos de uma gigatonelada, 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, o que é um pouco frustrante, porque por um lado, nós vivemos uma emergência climática que foi, na verdade, também condizente com uma crise pandêmica que tivemos no contexto da pandemia e agora uma grande crise energética devido aos conflitos que estamos sentindo na Europa. Então, na verdade, talvez pareça que face a outras emergências que surgiram na humanidade, a questão climática fica um pouquinho posta numa crescente paralela, quando na verdade nós temos tudo numa grande sinergia e uma grande correlação entre todas as crises e emergências que estamos vivendo na atualidade.”

Joana Portugal que também é professora de planejamento energético na Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que alguns países estão mais alertas e são mais ambiciosos nas suas medidas:

“Destaco, por exemplo, a União Europeia, que tem programas bastante consolidados de redução das suas emissões, mas que também no curto prazo tem um grande descasamento entre o que é prometido em metas de neutralidade climática até meio do século com as medidas que são agora implementadas nos próximos cinco ou 10 anos. E o que nós mostramos no relatório é que nós temos que reduzir as emissões em ordem de 50% na próxima década para atingir uma neutralidade climática até o final do século”.

O relatório também mostra que, no caminho contrário, o Brasil diminuiu a sua ambição de redução de emissões em 2020. Apesar deste ano ter aumentado, ela continua sendo baixa se comparada com as previstas em 2016. Assim como a Indonésia, também parte do G20 e citada no estudo, o país tem emissões de uso do solo devido à redução da sua área florestal por desmatamento.

Meta está distante de ser alcançada
O Pnuma alerta que essa falta de progresso deixa o mundo em direção a um aumento de temperatura muito acima do Acordo de Paris, bem abaixo de 2°C, de preferência 1,5°C. Para cumprir as metas, o mundo precisa reduzir os gases de efeito estufa em níveis sem precedentes nos próximos oito anos.

Para a agência, a crise climática exige uma rápida transformação das sociedades e em todo o sistema, nos setores de fornecimento de eletricidade, indústria, transporte, construção e nos sistemas alimentares e financeiro.

A diretora executiva do Pnuma, Inger Andersen, disse que “somente uma transformação radical de nossas economias e sociedades pode nos salvar de acelerar o desastre climático”. Segundo ela, mesmo que a meta para 2030 não seja cumprida, deve ser feito um esforço para chegar o mais próximo possível de 1,5°C.

Para seguir um caminho de menor custo para manter o aquecimento global em 1,5°C, as emissões devem cair 45% em relação às previstas nas políticas atuais até 2030. Para a meta de 2°C, é necessário um corte de 30%.

Esses cortes maciços significam que é preciso uma transformação em larga escala, rápida e sistêmica. O documento explora como realizar parte dessa transformação em setores e sistemas-chave.

Eletricidade, indústria, transportes e construções
O relatório conclui que a transformação para emissões líquidas zero de gases de efeito estufa no fornecimento de eletricidade, na indústria, nos transportes e nos edifícios está em andamento, mas precisa ser muito mais rápida. O fornecimento de eletricidade está mais avançado, pois os custos da energia renovável reduziram drasticamente. No entanto, o ritmo da mudança deve aumentar juntamente com medidas para garantir uma transição justa e acesso universal ao recurso.

Para a área de construções, as melhores tecnologias disponíveis precisam ser aplicadas rapidamente. Para a indústria e o transporte, a tecnologia de emissão zero precisa ser mais desenvolvida e implantada. Para avançar na transformação, todos os setores precisam evitar o bloqueio de novas infraestruturas com uso intensivo de combustíveis fósseis, avançar a tecnologia de carbono zero e buscar mudanças comportamentais.

Reforma dos sistemas alimentares
Respondendo por cerca de terço das emissões de gases de efeito estufa, os sistemas alimentarem precisam ter como foco a proteção de ecossistemas naturais, mudanças na dieta da população, melhorias na produção de alimentos em nível agrícola e descarbonização das cadeias de fornecimento de alimentos.

Ações nessas quatro áreas podem reduzir as emissões projetadas do sistema alimentar para 2050 para cerca de um terço dos níveis atuais. Se as práticas atuais forem mantidas, as emissões podem quase dobrar.

Os governos podem facilitar a transformação reformando subsídios e sistemas tributários. O setor privado pode reduzir a perda e o desperdício de alimentos, usar energia renovável e desenvolver novos alimentos que reduzam as emissões de carbono. A população pode mudar seu estilo de vida para consumir alimentos pensando na sustentabilidade ambiental e redução de carbono, o que também trará muitos benefícios à saúde.

Transformação do sistema financeiro
Uma transformação global para uma economia de baixas emissões exige investimentos de pelo menos US$ 4 a 6 trilhões por ano. Esta é uma parcela relativamente pequena do total de ativos financeiros administrados, mas significativa, em termos de recursos anuais adicionais a serem alocados.

A maioria dos agentes financeiros, apesar das intenções declaradas, tem demonstrado ações limitadas na mitigação climática devido a interesses de curto prazo, objetivos conflitantes e não reconhecer adequadamente os riscos climáticos.

De acordo com o documento, governos e o setor financeiro precisarão seguir na direção de uma transformação do sistema e suas estruturas e processos, envolvendo bancos centrais, bancos comerciais, investidores institucionais e outros agentes financeiros.

O relatório recomenda seis abordagens para a reforma do setor financeiro, que devem ser realizadas simultaneamente:

– Tornar os mercados financeiros mais eficientes, inclusive por meio de taxonomias e transparência.
– Introduzir o preço do carbono, como impostos ou sistemas de limite e comércio.
– Criar mercados para tecnologia de baixo carbono, por meio da mudança de fluxos financeiros, estimulando a inovação e ajudando a estabelecer padrões.
– Mobilizar os bancos centrais: os bancos centrais estão cada vez mais interessados ​​em enfrentar a crise climática, mas são necessárias ações mais concretas sobre as regulamentações.
– Estabelecer “clubes” climáticos de países cooperantes, iniciativas financeiras transfronteiriças e parcerias de transformação justas, que podem alterar as normas políticas e mudar o curso das finanças por meio de dispositivos de compromisso financeiro críveis, como garantias soberanas.

Nações Unidas – Promessas climáticas dos países ainda não são suficientes para evitar o aquecimento global

Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2022/10/1804412

Acesso em 27/10/2022.