Ergonomia é adaptação do trabalho às pessoas. O trabalho está sempre mudando e, assim, a ergonomia tem que estar sempre evoluindo, de forma a se obter o trinômio boa produtividade, com conforto e segurança. Desde 2010 esse desafio tem algumas facetas novas, acentuado ainda mais pela pandemia. Vamos abordar três aspectos bastante atuais.

1 – Tecnologias moderníssimas e seu impacto

O convívio com as denominadas Tecnologias 4.0 já vinha ocorrendo no Brasil desde 2015, algumas um pouco antes: internet das coisas, computação na nuvem, cybersegurança, integração de sistemas e máquinas, realidade virtual, realidade aumentada, simulação de processos em computador, impressoras 3D, robôs colaborativos, uso de big data e os (ainda incipientes) sistemas tecnológicos inteligentes, também denominados IA- Inteligência Artificial).

Essas tecnologias têm contribuído para melhorar as condições ergonômicas: redução dos esforços e posições forçadas – pelos robôs colaborativos; redução de carga mental em atividades de processamento de dados administrativos – pelo estabelecimento de rotinas em computador; simulações melhorando a confiabilidade e a capacitação dos operadores; simuladores na operação de máquinas complexas, facilitando o aprendizado antes de operá-las na situação real de trabalho; simulação de plantas industriais, ainda na fase de projeto, aperfeiçoando a ergonomia dos postos de trabalho; redução de interrupções no processo (cuja correção costuma ser feita em posições muito forçadas do corpo ou sob temperaturas extremas) pela melhoria da manutenção preditiva; e projetos tridimensionais em tablets em montagens complexas.

Por outro lado, essas novíssimas tecnologias passaram a demandar dos trabalhadores um grande esforço adaptativo, pela necessidade de sempre aprender cada vez mais e em cada vez menos tempo, uma vez que a competência passou a se tornar obsoleta rapidamente. Outro grande ponto de sobrecarga tem sido para os trabalhadores das empresas de tecnologia encarregados de fazerem as tecnologias 4.0 “rodar” adequadamente: é esperado que eles tenham a tríade do transtorno mental visto que seu trabalho está sendo intenso, denso e tenso, uma vez que dois dos pilares da Tecnologia 4.0 são a segurança das informações e a conectividade de sistemas (esses elementos não podem falhar). E daí vem as jornadas de trabalho irregulares, teletrabalho e disponibilidade para atender a emergências a qualquer hora do dia ou da noite.

Também os gestores estão desafiados a apresentar um novo perfil de capacitação: habilidade conceitual enorme para lidar com as muitas variáveis, associada à habilitação técnica profunda para entender e gerenciar os diversos contratos com empresas de Tecnologia 4.0.

2 – SARS-CoV-2 como acelerador do futuro

Pelo menos em quatro áreas, o SAR-S-CoV-2 precipitou mudanças irreversíveis na forma de se trabalhar: no teletrabalho, nas viagens de negócios, no ensino e na telemedicina.

O teletrabalho, imposto de forma súbita, “na marra”, especialmente na sua forma mais frequente (home office), trouxe uma série de problemas já conhecidos e outros ainda por conhecer, desde as péssimas condições do posto de trabalho em casa até as dificuldades de lidar com as interferências e com o cuidado dos filhos, não esquecendo do isolamento social. Um aspecto muito sutil foi a transferência da responsabilidade de solução de conflitos para o próprio usuário, na sua casa. Se há perda no aspecto do coletivo do trabalho, há ganhos importantes na redução dos tempos de deslocamento. Provavelmente o futuro será caracterizado pela fórmula mista 4×1 (quatro dias em casa e um dia no escritório) ou 3×2 (três dias em casa e dois dias no escritório).

O turismo de negócios tampouco será o mesmo daqui para a frente. Embora as feiras e grandes eventos sejam mantidos após o controle da pandemia, com o uso dos aplicativos de videoconferência, as viagens curtas para solução de problemas serão muito reduzidas, com diminuição importante da fadiga.

Na educação, o ensino a distância veio para ficar e sinaliza-se, de hoje em diante, a era dos cursos semipresenciais, ficando a parte presencial para as aulas práticas. Impactos para o aprendizado? Sim, positivos e negativos. Impacto para os professores? Também positivos e negativos. Positivo quanto ao menor desgaste de voz em salas de aula com ar refrigerado e no deslocamento. Negativo com o comprometimento de um dos fatores mais importantes da qualidade de vida de professores engajados: a perda do contato com os alunos e a consequente redução do aprendizado pela reciprocidade.

Na telemedicina, as alternativas são inúmeras e não cabe aqui defini-las, a não ser dizer que não há como tentar barrar revoluções. E essa é uma delas.

3 – Mudanças nas relações de trabalho em novas profissões

Em 2016, Rosamond Hutt e Rachel Hallet (apud Melamed*) já relatavam uma série de profissões novas muito demandadas: desenvolvedor de apps, gerenciador de mídia sociais, motorista de carros por aplicativos, engenheiros de veículos autônomos, especialista computacional de dados em nuvem, analista de big data (cientista de dados), gerente de sustentabilidade, criadores de conteúdo para YouTube, operadores de drones e especialistas de recursos humanos com foco na geração milenial. Também falavam de novos trabalhos, já reais, mas ainda raros: fabricantes de partes do corpo, nano-médicos, farmacêuticos e agrotécnicos para gado geneticamente modificado e para plantas geneticamente modificadas, consultores em bem-estar para pessoas de terceira idade, policiais para fiscalizar técnicas de modificação das condições meteorológicas, advogados virtuais, advogados de crimes cibernéticos e comunicadores personalizados.

O que há de comum na quase totalidade dessas novas profissões? É a mudança na relação de trabalho, geralmente fora de uma relação tradicional de emprego, aquela das oito horas diárias e de segunda a sexta. A flexibilidade aumenta (o que é bom sob o ponto de vista de ergonomia), mas a demanda por trabalho IDT (Intenso, Denso e Tenso) também pode estar presente, com o risco de adoecimento mental. Também a cobertura da ação ergonômica fica prejudicada, uma vez que tira do empregador (inexistente na maioria das vezes) a responsabilidade da melhoria, ficando o próprio indivíduo com esse encargo.

PAPEL DO ERGONOMISTA

É necessário estar agora em duas vertentes. Sem abandonar as demandas físicas e mentais do trabalho nos espaços produtivos, é necessário engajar-se em uma nova forma de trabalhar, aprimorando o papel de “ergo-coach” do trabalhador, ensinando ergonomia in loco, na nova realidade de trabalho, em muitos casos, à distância, com atenção especial à saúde mental. Qual é a ferramenta para isso? É o tradicional censo de ergonomia, com a pergunta básica: o que você tem no seu trabalho que lhe causa desconforto, dificuldade, fadiga, dolorimento, dor, ou risco de acidente? Tentando ajudar o trabalhador no processo de superação dessas dificuldades.

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