Quando se analisa os números de acidentes de trabalho no Brasil, percebe-se variações sem uma tendência concreta e sistemática. No número de fatalidades as variações também existem, mas são menos intensas, ou seja, possuem uma certa estabilidade ao longo dos anos.
Segundo Eduardo Machado Homem, diretor da Do Safety, uma consultoria em Cultura, Gestão e Liderança, é possível perceber, no caso dos acidentes totais, alguma relação com crises e com a atividade industrial do país, mas pode ser uma análise falha dada a subnotificação, pois vivemos em um país que ainda convive com trabalhos análogos à escravidão em grandes centros urbanos, com um alto nível de trabalhadores informais e um número enorme de empresas que operam à margem da legislação trabalhista e de segurança do trabalho devido à escassa fiscalização.
“Chamo a atenção para essa realidade porque ela convive de forma bastante amistosa com o discurso sobre ESG que está tão presente no meio corporativo. A sigla ESG é o acrônimo para o termo em inglês Environmental, Social and Corporate Governance, uma abordagem sobre os resultados das empresas que abrangem temas que estão além da maximização de seus lucros. Uma empresa que se preocupa com sua governança corporativa, ambiental e social deve demonstrar que atua na direção de determinados objetivos conectados com seus impactos na sociedade”, informa. Ele destaca que a segurança do trabalha está inserida dentro do contexto Social, o “S” da sigla ESG.
Maturidade incipiente
Ao mesmo tempo em que empresários e gestores de pequenas, médias e grandes empresas percebem a preocupação dos seus clientes com o tema e procuram atender as expectativas do mercado em relação à temática ESG, Eduardo Machado Homem destaca que eles não percebem a importância que o tema segurança do trabalho deveria ter no seu rol de objetivos e metas organizacionais. “Disso, conclui-se que muitas empresas se apropriam de forma equivocada do termo ESG mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas, ao invés de investirem em iniciativas eficazes de redução de seus impactos na sociedade”, completa.
Ele comenta que quando conversa com profissionais e gestores da área de segurança do trabalho de empresas que investem recursos em projetos de diagnósticos de cultura de segurança e desenvolvimento de líderes, a informação passada reforça que a maturidade das organizações para tratar as demandas que envolvem a integridade física e mental dos trabalhadores ainda é bastante incipiente, ou seja, se investe naquelas necessidades relacionadas à requisitos legais que podem sequestrar a licença social ou formal de operar, mas não se dedica o mesmo esforço em iniciativas que poderiam alavancar o desempenho em segurança das empresas. “Há exceções, mas como diz o ditado, uma andorinha sozinha não faz o verão”, ressalta.
Para o especialista, este é um cenário claro em que não existe uma política de estado que incentive as organizações a investirem de forma sistêmica e continuada seus recursos financeiros limitados na integridade física e mental dos trabalhadores. “Aquelas empresas que o fazem estão comprometidas com objetivos corporativos próprios e pressões de investidores e da sociedade por uma imagem mais evoluída de uma empresa socialmente responsável”, explica Eduardo Machado Homem.
Ele destaca que é importante estar atento ao fato de que, apesar do Brasil possuir uma legislação abrangente e razoavelmente completa sobre segurança do trabalho e saúde ocupacional, isso não implica em uma política de estado efetiva. É preciso que uma sistemática de fiscalização e de incentivo para alocação de recursos na segurança do trabalhador seja parte do ambiente de investimento público e privado.
Perspectiva mais positiva
Para Machado Homem é nesse momento que entra o discurso que se impõe ao cidadão quando se trata de virtudes como honestidade, cuidado com bens públicos e com tudo aquilo que faz parte da sociedade como um bem coletivo material ou imaterial. “Queremos que o cidadão se comporte alinhado com valores éticos e morais que não sejam direcionados pelo mal comportamento de outras pessoas que o rodeia”, salienta.
“Quando menciono o cidadão, incluo gestores e empresários de pequenas, médias e grandes empresas, pois estes também são cidadãos com os mesmos direitos e deveres de qualquer outro trabalhador. São essas pessoas que têm a prerrogativa e autonomia para definir a estratégia das organizações na direção de um ambiente corporativo mais justo, tanto em termos de segurança do trabalhador quanto equidade e igualdade de oportunidades, por exemplo”, situa o executivo.
Ele comenta que empresas são papéis conhecidos como “Contrato Social”, identificadas por um número chamado “CNPJ” e que ficam armazenados em um local chamado Junta Comercial, ou seja, é apenas um papel sem vontade própria. “A empresa executará aquilo que seus gestores e dirigentes desejarem”, diz.
“Aqueles números de acidentes de trabalho e de fatalidades que citei no início desse artigo mostram duas realidades. Em um momento evidencia a ausência de políticas de estado para tratar o tema, mas ao mesmo tempo também reflete a preocupação ou ausência dela por uma boa parte das empresas que atuam em território brasileiro”, salienta.
“Pode-se dizer que as empresas são um reflexo do que o estado brasileiro exige delas em termos de segurança do trabalhador, mas eu lhe pergunto: você é honesto porque o estado quer que você seja ou porque esse é um valor ético e moral seu?”, completa.
Para Eduardo Machado Homem, devemos fazer a mesma pergunta para as empresas.
Ele conta que recentemente esteve nas Cataratas do Iguaçu no estado do Paraná, um local de natureza belíssima. “É impressionante como toda aquela beleza se forma a partir de cada pequena gota de água que se une à outra e mais outra e mais outra até formar as exuberantes cataratas”, destaca e, acrescenta: “o dito popular diz que algo foi a “gota d´água” quando antecede um acontecimento ruim. Podemos ver essa mesma gota de uma forma diferente se deslocarmos para uma perspectiva mais positiva”.
Eduardo Machado Homem chama a atenção que investir em segurança e saúde do trabalhador não trará ao empresário ou gestor um retorno financeiro imediato como a aquisição de um novo equipamento pode trazer. “Mas pode ser a gota d´água que somada às outras construirá um curso d´água que transbordará em uma catarata de bem-estar, saúde, segurança e resultados futuros”, conclui.
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