De obrigação à oportunidade, a regularização ambiental tem se transformado em um divisor estratégico no agronegócio brasileiro. De um lado, a ilegalidade colhe incerteza e riscos que vão da desvalorização do produto a restrições de mercado. Do outro, a preservação se torna um ativo para produzir mais, aumentar a renda e diversificar o negócio com sustentabilidade.

Essa conscientização, que passa por acesso à informação, tecnologia e assistência técnica, consolida uma visão de atrelar proteção ambiental ao ganho econômico. “Os extremos climáticos já são realidade, com secas mais prolongadas e chuvas mais severas. Então, trabalhar boas práticas e investir em capital ambiental, como água e solo íntegro, vai ajudar o produtor não só a cumprir a lei, mas a prosperar”, afirma Isabel Garcia Drigo, gerente de Clima e Emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

Criado há 10 anos, o Código Florestal abre caminho para fortalecer esse potencial sustentável do Brasil. Tem desde exigências, como o percentual mínimo de Reserva Legal (RL) nos imóveis rurais, até dispositivos que abrem caminho para pagamento por serviços ambientais e acesso a novos mercados, como o de carbono, por exemplo.

A regularização é peça-chave para usufruir disso. E há diferentes formas de obtê-la, conforme o interesse e o bolso de cada produtor. As opções vão da compra de áreas até contratos de arrendamento. Legalizar ainda é o primeiro passo para outra oportunidade: oferecer o excedente de vegetação nativa para produtores que não dispõem.

Oportunidades e desafios

Relatório recém-divulgado pelo Observatório do Código Florestal (OCF) mostra que o déficit de Reserva Legal chega a 16 milhões de hectares no Brasil. Já o excedente de vegetação natural, que pode ser usado para compensação, é cinco vezes maior: 86 milhões de hectares. “A conta fecha com sobra, mas é preciso que o poder público dê o próximo passo com políticas para implantar o Código Florestal. O Brasil tem potencial para se posicionar como o grande produtor de commodities agrícolas sustentáveis do mundo”, analisa Roberta del Giudice, diretora-executiva do OCF.

Só na Amazônia, segundo o Imazon, a estimativa é de que os proprietários de terras tenham de restaurar 8 milhões de hectares apenas para cumprir com o Código Florestal. Uma pesquisa feita em 2020 apontou que 5,2 milhões de hectares estão em locais de difícil plantio de grãos, o que permite recuperar a floresta em larga escala sem perder terras agricultáveis e com baixo custo.

 — Foto: Revista Globo Rural

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“É possível aproveitar essas áreas para adequar as propriedades às leis ambientais e, ainda, obter novas fontes de renda. São áreas prontas para serem inseridas no mercado de serviços ambientais, de carbono e até de bioeconomia”, observa Paulo Amaral, pesquisador sênior do Imazon.

Parcerias com empresas

O setor privado é visto como um dos agentes para acelerar a restauração e a compensação ambiental de áreas de vegetação nativa, tanto para cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa quanto na busca por fornecedores mais sustentáveis. “As empresas têm interesse em mostrar que compram de áreas não desmatadas, em especial as que têm compromissos internacionais”, destaca Luciane Chiodi, sócia da Agroícone.

Mas também há empresas viram oportunidade de unir preservação e geração de receita. É o caso da Reservas Votorantim, que dispõe de 31 mil hectares no Vale do Ribeira (SP) e 32 mil hectares em Niquelândia (GO). Uma das modalidades do negócio, que inclui desde centro de biodiversidade a ecoturismo, é oferecer áreas para compensação de Reserva Legal.

Em São Paulo, a meta é disponibilizar 11 dos 31 mil hectares para proprietários compensarem o déficit – 482 hectares já foram contratados por meio de arrendamento, a única opção que está sendo oferecida pela empresa neste momento. O desafio, agora, é fazer a ponte com mais produtores. A Reservas Votorantim tem procurado apoio de cooperativas, associações rurais e escritórios de advocacia.

Entre os argumentos, está a possibilidade de contar com um serviço profissional e não se responsabilizar pela área. “O arrendamento já é conhecido pelo produtor e, para compensar, o custo é de cerca de 7% do valor de investimento para comprar terras. Oferecemos um território com alto grau de conservação e assumimos todo o risco jurídico”, diz Cícero Homem de Melo, coordenador de negócios.

 — Foto: Revista Globo Rural

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Em longo prazo, a ideia é expandir ainda mais o sistema com outras formas de rentabilizar a área de floresta, o que passa pela implantação dos demais mecanismos de operação do Código Florestal. “O impacto das mudanças climáticas está transformando a visão dos proprietários, e esse é um negócio que tende a se valorizar ainda mais”, afirma.

Carbono e floresta em pé

A regularização ambiental também habilita o imóvel rural a acessar mercados em expansão no Brasil, como o de carbono, e modalidades que remuneram pela manutenção da floresta em pé, como a Redução das Emissões Decorrentes de Desmatamento e Degradação Florestal (REED), em que o produtor abre mão de área que poderia ser desmatada em troca de remuneração.

“O produtor pode usar áreas de preservação permanente e Reserva Legal para compensar emissões. No caso do mercado de carbono, é preciso cumprir regras específicas, mas já há empresas montando negócios visando parceria com o produtor. Isso pode ser interessante porque ele regulariza seu déficit e ainda recebe uma remuneração por hectare”, explica Beto Mesquita, membro da Coalizão Brasil (GE), diretor de Políticas e Relações Institucionais do BVRio e fundador do Diálogo Florestal.

Ele observa, porém, que os projetos de carbono precisam de escala para serem viáveis. Por isso, a intermediação do setor privado pode facilitar a adesão. “O Brasil é um dos principais países para este negócio, pois é continental e exige que os imóveis rurais tenham pelo menos 20% de Reserva Legal, ou seja, sem disputar área com a produção de alimentos”, salienta.

 — Foto: Revista Globo Rural

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Além disso, a preservação com viés econômico abre espaço para certificações, como a de carbono neutro, que valorizam a produção. “Se o produtor pensar que, em vez de derrubar vegetação nativa, pode melhorar sua conta de carbono e atrair empresas que vão pagar mais por isso para cumprir suas metas, há uma perspectiva nova para o seu negócio”, pontua Isabel Garcia Drigo, do Imaflora, que lançará em setembro uma plataforma digital apresentando empresas com balanços de carbono prontos para serem negociados.

Esse cenário reforça a importância de União e Estados criarem alternativas viáveis para remunerar a proteção ambiental no Brasil, avalia Carlos Hugo Rocha, agrônomo, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. “Quando se identifica isso, há capacidade de estabelecer diálogo com agricultores em cima de projetos concretos e ofertar oportunidades interessantes do ponto de vista ambiental e econômico”, finaliza.

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