Estudo internacional capitaneado pela FGV-EAESP é ferramenta para aperfeiçoar e potencializar o uso de recursos naturais

Na transição para uma economia de baixo carbono, a otimização da gestão de recursos naturais no âmbito dos municípios desempenha um papel preponderante, principalmente quando se sabe que cerca de 85% da população brasileira vive em áreas urbanas, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

As cidades consomem 75% dos recursos naturais e produzem 50% do lixo global, além de responderem por 60% a 80% das emissões de gases de efeito estufa (GEE), segundo o Guia de Infraestrutura Verde e Azul.

Resultado de uma pesquisa internacional feita em dez cidades situadas na Ásia, África e Brasil (São José dos Campos e Florianópolis) por um consórcio formado por instituições do Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Suécia, África do Sul e Taiwan, o trabalho oferece um passo a passo para que governos municipais que desejarem possam gerenciar a integração e o uso desses recursos para torná-los mais eficientes.

De acordo com José Puppim de Oliveira, professor e pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), instituição que coordenou os trabalhos, até março deverá ser lançada a versão em português do manual.

– Esse projeto foi feito principalmente com o objetivo de dar eficiência ao uso da água, da energia e dos alimentos como recursos naturais e o impacto que tem o uso de um e de outro – diz Laura Macedo, também da FGV-EAESP e que coordenou a pesquisa no Brasil.

Ela explica que a estrutura verde é assim chamada porque predominantemente utiliza vegetação, parques ou “qualquer coisa relacionada à vegetação”. A estrutura azul é a que utiliza corpos d’água.

– Um canal natural ou um pântano são uma mistura de vegetação e água, por isso são considerados estrutura verde e azul- diz Laura.

Entre os exemplos de GBI (na abreviatura em inglês para green and blue infrastructure), citados no guia, estão: agricultura urbana, jardins comunitários, telhados verdes, árvores de ruas, parques e florestas urbanas, áreas úmidas e charcos, jardins verticais, a recuperação das margens de rios e córregos, corredores verdes e hidrovias, entre outros.

Os recursos
Os pesquisadores lembram que as cidades têm pouca influência sobre esses recursos, mais sujeitos a leis estaduais ou federais.

– Essa estrutura verde azul é uma forma de elas aumentarem sua governança sobre esses componentes – argumenta Puppim.

De acordo com o estudo, planejar um futuro com eventos extremos mais frequentes e intensos deve incluir soluções baseadas na natureza e que deem suporte para as cidades responderem adequadamente aos desafios que se avizinham. Nesse sentido, a publicação aponta que a infraestrutura verde e azul será fundamental para garantir um ambiente urbano seguro e saudável.

Essas estruturas podem ser usadas, por exemplo, para conter enchentes, ou melhorar a condição do ar, ou regular a temperatura.

– Elas fornecem uma série de serviços ambientais no espaço urbano que, em geral, uma estrutura convencional não tem como fornecer – afirma Laura.

– Charcos ou pântanos artificiais podem ter uma função muito importante. Dependendo das plantas usadas para compô-los, podem servir de filtro e detritos, criando um ambiente um mais ecológico para animais. Então, melhora a biodiversidade urbana – exemplifica a pesquisadora.

– A ideia é conseguir aumentar a funcionalidade de um espaço. Não ser apenas uma praça, por exemplo, mas que ela também sirva para um sistema de drenagem e que também possa ser uma área para agricultura urbana – diz Lívia Corrêa, chefe de Desenvolvimento Ambiental do Departamento de Gestão Ambiental da Secretaria de Urbanismo e Sustentabilidade de São José dos Campos.

Ela ressalta a importância da multifuncionalidade proporcionada pela adoção de GBI.

Integração e inovação
– O principal ponto que colocamos, em termos de gestão, é a integração de diferentes setores das cidades – diz Puppim. – As secretarias não se conversam, e há muito conhecimento gerado quando se coloca o pessoal das secretarias para conversar entre eles. A importância da interligação foi um dos grandes achados da pesquisa.

Para ele, a intersetorialidade acaba sendo a principal ponte para a inovação.

A proposta é que a GBI possa substituir ou complementar a infraestrutura convencional a fim de reduzir os impactos e melhorar a eficiência do uso desses recursos. Tanto que São José dos Campos trabalha com o conceito de infraestrutura verde e azul para a questão da drenagem.

– Estamos começando um plano de drenagem sustentável no município, iniciado em novembro, cuja ideia é fortalecer as soluções usando a natureza -, reforça Lívia Corrêa.

Segundo ela, a cidade já tem um projeto-piloto que adota jardim de chuva, que pode ser definido como um jardim formado por vegetação e flores plantadas em uma área de depressão do terreno, para absorver mais água de chuva do que o solo natural.

Em relação à agricultura, a cidade possui hortas comunitárias em unidades de saúde e escolares.

– Vemos cada vez mais a necessidade de avançar na sua estruturação e trabalhar essa questão relacionada a temas como gestão de resíduos sólidos e compostagem – conta Lívia.

Com ações mais consolidadas nessa área, Florianópolis possui o programa Cultiva Floripa – instituído por decreto municipal em 2017 e alterado em 2018, 2020 e 2021 –, cujo objetivo é promover produção agroecológica de alimentos e plantas, uso sustentável dos recursos naturais, captação de água da chuva, reciclagem, compostagem e adoção de energia solar.

Suas atividades incluem o gerenciamento de resíduos orgânicos por meio da compostagem e vermicompostagem, produção de mudas e sementes, e certificação da produção orgânica.

Atualmente, há 112 hortas comunitárias na cidade, instaladas em escolas municipais, postos de Saúde e bairros. Lotes públicos vagos foram usados para instalações de compostagem, evitando assim o despejo de resíduos e contaminação.

Hoje, a cidade possui mais de 100 pontos de compostagem, que fornecem adubo para as hortas e, em paralelo, várias escolas com hortas utilizam resíduos compostados de merenda como adubo.

– Houve redução de 30% de resíduos nesses locais- afirma Puppim.

O programa ainda proporciona o reaproveitamento do uso do solo, a manutenção de áreas urbanas limpas e o engajamento da comunidade.

– Uma estrutura verde e azul também pode ajudar muito a melhorar a questão do saneamento – acrescenta Laura Macedo. – Fazer biodigestores ou utilizar jardins filtrantes é super interessante, porque além de fazer o tratamento natural da água, permite fazer mini estações de tratamento naturais – afirma.

O guia
Além da FGV-EASP, participaram do consórcio formado para o desenvolvimento do estudo o ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade (uma associação mundial de prefeituras dedicada ao desenvolvimento sustentável), Universidade Yale, Centro de Resiliência de Estocolmo, Universidade Ming-Chuan e The Nature of Cities (TNOC).

Os financiadores incluem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Ministério Federal da Educação da Alemanha e Pesquisa, National Science Foundation (NSF), Conselho Sueco de Pesquisa (FORMAS), Ministério da Ciência e Tecnologia de Taiwan e START (start.org). E ainda teve o apoio do Belmont Forum JPI Urban Europe.

As 10 cidades participantes do estudo foram, além de Florianópolis e São José dos Campos, Antananarivo (Madagascar), Dodoma (Tanzânia), Gangtok (Índia), Joanesburgo (África do Sul), Kunming (China), Lilongwe (Malawi), Nagpur (Índia) e Taipé (Taiwan).

Com base no levantamento envolvendo o nexo entre água, alimentos e energia, o guia foi consolidado pela FGV-EAESP. São cinco etapas que permitirão ao interessado identificar como a infraestrutura urbana verde e azul (GBI) pode ser usada como alternativa inovadora para complementar ou substituir os infraestrutura “cinza” existentes, assentada em soluções baseadas na natureza (NbS).

O guia dito é dividido em cinco etapas, sendo a primeira intitulada Primeiros passos – onde estamos, que possibilita identificar problemas e desafios e avaliar os sistemas GBI ,além de detectar oportunidades de inovação na área.

O capítulo seguinte é intitulado Visão,que contempla temas como “Qual é o potencial de inovação? e como identificar desafios, Em seguida, o capítulo Planejamento aborda temas como como governança colaborativ e, como constituir uma equipe central. A etapa seguinte é a Implementação e a final é Monitoramento e Avaliação.

Obstáculos
De acordo com o estudo, criar as condições adequadas para o investimento na economia verde requer uma combinação de capacidade de construção, compartilhamento de informações, disseminação de práticas políticas exemplares, assistência social, habilidade de desenvolvimento, educação geral e conscientização para garantir que as medidas verdes sejam bem projetadas, implantadas e executadas.

O financiamento para esses projetos pode ser um obstáculo, pois eles não têm tradição de investimentos, ou seja, investidores e credores geralmente são inexperientes em relação ao financiamento da infraestrutura verde e azul.

Puppim, por sua vez, lembra que, muitas vezes, não há incentivos para trabalhar a intersetorialidade na esfera municipal, já que é preciso saber quem paga as contas, de qual área vai sair o recurso. Uma solução para isso seria, como fez Curitiba, ter verba para inovação.

Laura Macedo, da FGV, lembra que mesmo a administração pública também enfrenta empecilhos para deslanchar projetos desse tipo:

– Primeira coisa, o governo tem de prestar contas do recurso investido e do resultado. Então, é preciso fazer o projeto mais eficiente possível.

O texto completo do estudo pode ser acessado aqui.

O GLOBO – Guia oferece passo a passo para gestão de infraestrutura verde e azul pelas cidades

Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/esg/noticia/2023/01/guia-oferece-passo-a-passo-para-gestao-de-infraestrutura-verde-e-azul-pelas-cidades.ghtml

Acesso em 01/02/2023.