O valor cobrado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) pelo licenciamento ambiental possui natureza jurídica de preço público e a sua base de cálculo pode ser disciplinada por decreto. Não cabe ao Poder Judiciário entrar na discussão da fórmula do cálculo em si e, em especial, dos fatores de complexidade definidos pela Cetesb.
A tese foi fixada, por maioria de votos, pelo Grupo Especial de Câmaras de Direito Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo no julgamento de um incidente de assunção de competência (IAC) sobre a legalidade da fórmula, dos fatores e dos coeficientes aplicados para o cálculo do valor do licenciamento ambiental cobrado pela Cetesb.
O objetivo do IAC, cadastrado como Tema 4, era pacificar a questão que envolve a adequação da Lei Estadual 997/76 ao novo conceito de fonte de poluição introduzido no Decreto Estadual 64.512/19. A Lei 997/76 instituiu o sistema de prevenção e controle da poluição do meio ambiente no estado de São Paulo, incluindo o licenciamento ambiental.
Já o Decreto 64.512/19 alterou o conceito de área integral da fonte de poluição e passou a considerar a área construída do empreendimento e a atividade ao ar livre. Com isso, foram estabelecidos novos critérios para cobrança das licenças. As mudanças levaram a uma enxurrada de ações judiciais de empresas que sofreram reajustes expressivos nos valores.
Ao admitir o IAC, o relator, desembargador Torres de Carvalho, considerou a relevância da questão ao órgão ambiental (Cetesb), “que não pode ver a expedição das licenças e seu orçamento sujeitos a constantes impugnações na Justiça”, mas também a importância para empresas e pessoas atuantes nos mais diversos ramos de atividade e que necessitam da licença de operação e da periódica renovação.
“A conformação da questão de direito ora apresentada promove segurança jurídica, além de permitir à Administração maior autoridade na cobrança dos valores exigidos para expedição da licença ou, se for a decisão adotada, a alteração da forma legal utilizada”, afirmou o desembargador.
Ele observou as divergências que vinham ocorrendo entre as câmaras reservadas ao meio ambiente do TJ-SP, com decisões diferentes para situações semelhantes, a depender da turma julgadora. De um lado, magistrados que validavam o aumento do licenciamento ambiental por meio de decreto. De outro, decisões pela ilegalidade do Decreto 64.512/19 ou pela abusividade do reajuste das licenças.
Ao discutir mais profundamente a questão, Torres de Carvalho concordou com a tese da Cetesb de que o valor recolhido para o licenciamento ambiental configura um preço público, desvinculado do caráter tributário e passível de alteração por decreto, pois se trata de uma empresa privada e sua receita é ligada a um preço pago apenas se o serviço for efetivamente utilizado.
“A natureza tributária implica em ser renda do Estado, incorporada ao orçamento. A remuneração aqui cuidada não é verba orçamentária e é paga à Cetesb, uma sociedade de economia mista, que a incorpora ao seu orçamento (não ao orçamento público). Ademais, taxas não são devolvidas e o valor pago à Cetesb pode ser devolvido ao interessado se a desistência anteceder o início da análise do pedido”, explicou ele.
Além disso, para o magistrado, o Decreto 64.512/19, ao adequar o conceito de fonte de poluição, resolveu um problema de valores desproporcionais cobrados na vigência de um decreto anterior, de 2017: “E não cabe ao Judiciário adentrar a discussão da fórmula e, em especial, dos fatores de complexidade definidos pela Cetesb, substituindo o critério de apuração do preço por outro ou invalidando os coeficientes e fatores indicados pela agência ambiental”.
Divergência entre os magistrados
Ficaram vencidos os desembargadores Paulo Alcides, Nogueira Diefenthäler e Marcelo Berthe. Para Diefenthäler, os valores cobrados pela Cetesb são vinculados ao exercício do poder de polícia para custeio das atividades exercidas pelo poder público, “de natureza tributária, nos termos do artigo 145, II, da Constituição Federal, por conseguinte, de natureza jurídica e tributária denominada de taxa”, e não de preço público.
Já Paulo Alcides questionou a inclusão de “atividade ao ar livre” no conceito de área integral da fonte de poluição, conforme o Decreto 64.512/19. Para ele, a atividade ao ar livre de uma empresa “induvidosamente não gera poluição”. “Por sua vez, a ‘área construída do empreendimento’ pode (a depender da análise do caso concreto) não acarretar efeitos poluentes”.
Alcides argumentou que nenhum decreto pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de invadir a competência legislativa reservada à lei no sentido formal. Para o magistrado, o licenciamento também configura taxa, e não preço público, “porque específico e divisível o serviço decorrente do exercício do poder de polícia estatal”.
“Embora a d. maioria tenha se convencido do contrário, não me parece crível que o custo do serviço prestado pela Cetesb (na sua função de expedir licenças ambientais) tenha, de um ano para o outro, aumentado de tal forma a embasar os confiscatórios valores exigidos das empresas que exercem (ou pelo menos tentam exercer) suas atividades no Estado de São Paulo”, completou ele.
Tese firmada por maioria de votos
A tese fixada foi: “O valor cobrado pela Cetesb para o licenciamento ambiental possui natureza jurídica de preço público e a sua base de cálculo pode ser disciplinada por decreto. A definição da área integral constante do artigo 73-C do DE 64.512/19 é válida e não extrapola a LE 997/76. Não cabe ao Poder Judiciário adentrar a discussão da fórmula do cálculo em si e, em especial, dos fatores de complexidade definidos pela Cetesb, substituindo o critério de apuração do preço por outro ou invalidando os coeficientes e fatores indicados pela agência ambiental”.
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